Rodantha – Negociante de Morte

Rodantha foi admitida na gangue dos Grutos após impressionar seu chefe com prata e violência. Sua perna agora já se recuperou graças ao curandeiro da gangue, mas a gorgona vai se lembrar de tentar não tomar outro tiro. Não demorou muito até que fosse chamada para um serviço após se recuperar.

“Rodantha, né? Tenho uma coisinha que precisa da sua ajuda.”

Rodantha esperou com expectativa nos olhos, mas Leo, o sátiro loiro líder da gangue,não notou pois evitou olhar novamente naqueles olhos de cobra. Ele prosseguiu assumindo que Rodantha era do tipo silenciosa assim mesmo.

“Nós temos uma carga para entregar na zona leste de Cirana, fica a dois dias de viagem de carroça. Ida e volta. Já que dois dos rapazes que iram fazer parte disso tiveram um infeliz incidente no bar, precisamos desses seus brações ai para ajudar em dobro. Acha que dá conta?”
“Eu nem estaria aqui se achasse que não consigo não é?”

Leo riu. Ele acha que ela não vai voltar, mas se voltar, terá realmente provado seu valor. O sátiro deu dois toques no ombro de Rodantha, o que visivelmente incomodou ela pela reação agressiva das cobras em sua cabeça, mas a gorgona pediu perdão e amarrou suas seis serpentes mais agressivas para trás da cabeça como sempre fez. O dia passou sem mais preocupações para Rodantha, terminando no primeiro dia de sua rotina de fazer exercícios, tomar banho e tomar um copo de leite 30 minutos antes de dormir. No dia seguinte estava bem descansada para a viagem que viria e se vestiu com sua nova armadura de couro, então a camisa branca e calça preta por cima, com Corey, Nathan, Eric, Joakim, Derrick e Jamison presos de forma a não incomodarem outras pessoas e atacarem qualquer um que tente chegar por trás de Rodantha. Duas batidas fortes na porta interromperam o alongamento de Rodantha que ainda estava se acostumando com seu novo equipamento.

“Tudo pronto novato?!”

Rodantha abriu a porta com a mão direita deixando sua outra mão oculta, seus olhos encontraram os do orc careca e tatuado nos braços que tinha uma cicatriz horrível no rosto, muito provavelmente feita por algum titã, como são chamados os grandes répteis emplumados nesse mundo.

“Sim. Só vou pegar minha arma.”
“Tu é o novato que o chefe falou? Tu não passa de um palito com cobras na ponta!”
“E você fala muito para alguém prestes a ser capado.”

Ele olhou para baixo ao sentir toque do metal na sua perna. A foice de Rodantha estava na sua mão esquerda, próxima a virilha do orc. Ele instintivamente se afastou e a gorgona recuou sua lamina para a altura do peito, para se defender caso ele atacar.

“Eu observei a armadura que usamos e notei que protege bem o dorso, braços e as pernas, mas deixa a desejar em alguns lugares.”
“Hehe. Garota esperta.”

Quem falou foi uma humana, ruiva, mais velha e mais muscular que a jovem Rodantha. Seu corpo também era tatuado e seu dorso sem armadura estava coberto por uma pele de urso, lembrando a própria deusa ou giganta que Rodantha ouviu falar nas lendas do norte, Bezurga Peledurso. O orc era duas ou três cabeças mais alto que ela e ainda mais forte, de pele verde escura, protegido com uma armadura de couro por baixo da camisa amarela clara assim como Rodantha e seu chefe.

“Então, podemos ir Turi?”
“Claro… E vê se não arranja problemas novato.”

Rodantha deu de ombros e seguiu os dois. Na carroça tinha mais um esperando para começarem a carregar as caixas para dentro, um hakin de chifres encaracolados, cabelo preto liso e longo e pele roxa, muscular e esguio assim como o górgon, com uma rapiera na cintura e uma camisa meio aberta deixando o peitoral sem armadura a mostra com a tatuagem também a vista. Assim que viu a humana lhe ofereceu uma rosa de forma elegante, mas ela passou direto o ignorando e começou a trabalhar. Logo em seguida ele viu Rodantha, passou direto pelo orc e veio se apresentar fazendo um gesto exagerado como se fosse um nobre, mas tendo ela nascido na nobreza, foi fácil ver que era a imitação de um charlatão.

“Shandor Vollonik, vulgo Lamina, muito prazer.”
“Rodantha O’ Mera, vulgo Esmeralda, igualmente.”
“Oh pela Noite! Outro Shandor não!”
“Ah, Turi, você só está com inveja porque eu consegui ume aprendiz e você não.”

Rodantha revirou os olhos e ignorou Shandor, seguindo para trabalhar com a humana. Turi olhou para a cena, então olhou para Shandor surpreso e frustrado e riu alto da cara do companheiro de gangue.

“HAHAHAHAHAHA Acho que foi Loba que ganhou ume aprendiz, não você!”

Enquanto entregava uma caixa para Loba e os outros dois se aproximavam para ajudar, a jovem novata não conseguiu segurar a curiosidade.

“Porque uma pele de urso se te chamam de Loba?”

Loba deu uma única risada enquanto recebia a caixa com seus braços também marcados por cicatrizes.

“Mais tarde eu te mostro pirralha.”

Os dois homens ajudaram a carregar as caixas para dentro da carroça. Rodantha sentiu pena dos cavalos que teriam que puxar duas pessoas enormes e todas essas caixas carregadas com sabe se lá o que. O tempo passou na viajem com os três veteranos conversando enquanto Rodantha permaneceu calado até que um assunto chamou sua atenção.

“Então, alguém sabe o que tem nessas caixas?”
“Cala boca, Shandor!”
“Eu também quero saber, Turi.”
“Você não tem que saber de nada novato, só trabalhar!”

As serpentes se agitaram, mas Loba lançou um olhar severo para ele e Rodantha se controlou.

“Está bem…”

Se ela se revoltar são 3 contra 1. Obviamente não valia a pena tentar. Por agora…

Chegada a primeira noite, deixaram os cavalos descansarem e armaram acampamento. Turi conseguiu lenha e preparou a fogueira, Shandor e Rodantha prepararam as barracas com alguma dificuldade causada pela falta de experiência da gorgona e Loba sumiu por algum tempo, voltando com um cervo nas costas e sangue fresco na boca e mãos. Rodantha pensou que talvez não tivesse notado antes, mas prestando atenção viu que Loba realmente não tinha orelhas pontudas ou caninos alongados, ela não era uma vampira ou filha de um. Quando a nórdica deitou o cervo no chão, Rodantha pôde ver que o pescoço foi cortado com dentes, na jugular…

“…como uma loba faria.”
“Hehe! Agora entendeu pirralha?”

Durante o acampamento, o mesmo clima de companheirismo dos Grutos de longa data permeava o local, deixando a novata silenciosa excluída enquanto comia um pedaço de carne e bebia bebidas sem álcool, já que mesmo que quisesse beber a cerveja também, Turi não permitiu. A adolescente queria uma forma de mostrar para eles que não era mais criança e fez exatamente o que todo adolescente faria nessas horas: agiu como criança.

“Que tal a gente fazer uma aposta então, Turi? Se eu te derrubar, eu posso fazer o que eu quiser sem você ficar me tratando como se eu tivesse 10 anos.”

O orc riu alto. Talvez fosse o álcool fazendo isso, mas ele parecia bem mais simpático agora.

“Quer saber? Que se dane! Eu aposto que você não me derruba nem se encher a cara ahahahahaha! Se eu te derrubar, você vai ter que me respeitar como seu segundo em comando!”

Ele bateu a caneca no banco improvisado com um tronco caído e se levantou. Rodantha se levantou também, se sentindo pequena pela primeira vez em muito tempo já que sempre teve uma estatura acima da média. Ambos estavam desarmados. Turi obviamente tinha a vantagem da força enquanto Rodantha tinha a agilidade. A górgona tomou a inciativa golpeando o orc com um chute na perna para o derrubar, acertando a lateral da panturrilha com o peito do pé com toda força, mas o veterano pareceu nem sentir e bocejou por puro deboche.

“Minha vez.”

O orc deu um único soco que derrubou ela no chão. A jovem apagou e acordou momentos depois ainda delirando, sendo cuidada por Shandor, enquanto Loba dava uma bronca em Turi. Naquela noite, o górgon aprendeu a respeitar seus limites e veteranos.

Mais um dia de viajem e chegaram ao seu destino, uma região mais pobre da cidade-estado, mais para dentro do continente e longe da região portuária a oeste onde fica a base dos Grutos. Loba assumiu a liderança na hora de falar com os compradores que estavam os esperando enquanto Shandor a auxiliava e Turi e Rodantha faziam a guarda, trocando olhares com os diversos outros bandidos ali armados e prontos para atacar a qualquer momento se os Grutos fizessem algum movimento estranho ou se o líder deles mandasse. A novata não estava prestando muita atenção na conversa até perceber que humana estava ficando irritada com os dois elfos das profundezas e o hakin tentava a acalmar, mas parecia ter piorado a situação.

“Mas que merda! Vocês não queriam essa porcaria toda?!”
“Tá maluca sua selvagem? Essa coisa aí é letal! Nós não pedimos por isso!”
“Teu chefe quer foder a gente!”
“Loba, calma, vamos…”
“Fica fora disso ou me ajuda porra! A gente trouxe essa merda toda até aqui a toa então?!”

Rodantha se aproximou tentando não parecer uma ameaça e chamou Loba para perto. A mulher ogrinjörana se abaixou para o górgon falar no ouvido dela.

“Eles já pagaram pela mercadoria?”
“Se tivessem pago, eu taria pouco ligando para o que fizessem com essa merda toda aqui!”
“Então… O chefe só mandou trazer até aqui e voltar com o dinheiro não é mesmo? Ele nunca disse que precisávamos vender. Disse?”

Loba fez uma expressão surpresa com as palavras de Rodantha, então sorriu com malicia.

“Mudança de planos rapazes!”

Loba se pôs de quatro e começou a mudar na frente de todos ali com seus músculos crescendo e mudando de forma dolorosamente, um dos bandidos agora rivais atirou, mas a bala foi dividida no meio pela lamina fina de Shanor fortalecida por sua magia. Shanor balançou a rapiera no ar fazendo movimentos quase como uma dança e isso inspirou seus aliados, fazendo se sentirem mais fortes, mais aptos para lutar. A bárbara uivou reforçando o efeito moral da arte marcial de Shanor e intimidando os inimigos, se revelando uma licantropo vestida com uma pele de urso que então atacou o primeiro inimigo a sua frente. Outro atacou Rodantha por trás e sofreu com a reação das serpentes que ele deixou preparadas para isso, que além de atacarem o dríade, também alertaram o górgon para ele golpear seu inimigo em um contra-ataque com a foice. Mais um dos bandidos atirou com uma bésta, mas Turi defendeu sua cabeça com seus braços fortes e tão grossos quanto uma cabeça humana, parando a flecha em seus músculos e aguentando a dor.

Os bandidos decidiram fugir vendo seu líder sendo devorado pela besta interior da bárbara, correndo e atirando com bestas e pistolas, porém Turi tomou a frente e protegeu seus aliados com o corpo e Shanor logo em seguida veio girando a lamina com o pulso, então colocando dois dedos nos próprios lábios e em seguida tocando em Turi para curá-lo.

“Até o jeito que você faz magia é irritante.”
“Não foi o que seu irmão disse.”

Rodantha se lembrou de ouvir eles falando que o carregamento era letal, então teve uma ideia. Ela correu para as caixas e abriu. Era algo como uma fruta, porém escurecida como se tivesse apodrecida, com espinhos saindo de dentro e exalando um fedor de cadáver. Ela ia pegar com sua mão direita, então repensou e decidiu arriscar a mão não-dominante tocando naquela coisa e rapidamente atirou para direção dos inimigos, errando por usar sua mão esquerda, mas assim que a fruta, ou seja lá o que era aquilo, colidiu com o chão ela explodiu e atirou espinhos para toda parte. Os elfos e dríades atingidos sofreram o que parecia ser uma infecção com seus olhos, boca e narizes liberando lágrimas, saliva e mucosas até sangrar enquanto gritavam em agonia, dor e medo. Os que tentaram arrancar os espinhos do dorso viram seus orgãos sendo puxados para fora junto ou vazando para fora crescendo como um parasita dentro de si.

O bardo não aguentou a cena, mesmo tendo visto sua companheira se tornar uma besta e literalmente devorar a carne de uma pessoa, ele ainda assim regurgitou vendo a cena de horror que a novata causou. Até mesmo a bárbara licantropo estava com o rabo entre as pernas vendo aquilo. O lutador abaixou os braços vendo que quase todos os inimigos estavam mortos ou morrendo. A guerreira no entanto, não esboçou nenhuma grande expressão além arquear as sobrancelhas e abrir mais os seus olhos verdes como esmeralda.

“Filho da puta…”

Loba falou finalmente, sua voz soou como um mistura gutural de voz humana e rosnados lupinos.

“Uma turbulência na estrada e a gente tava morto. Se a gente tivesse jogado as caixas um pro outro, a gente tava morto! O Leo sabia disso com certeza!”

O hakin se levantou limpando a boca com um lenço.

“Você acha que ele armou contra nós? Eu não acho que fizemos nada que desagrade muito ele. Não ao ponto de nos querer mortos, eu acho.”
“Não… Vocês estão olhando isso do jeito errado. Somos só peões na mão dele.”

O homem verde e muscular se virou para a pessoa com serpentes na cabeça ainda em choque pelo que fez.

“Elu. Leo queria testar ê garote.”

Loba se destransformou, tirou sua capa de urso expondo o dorso todo marcado de batalhas e cobriu os ombros Rodantha com seu manto.

“Essa é a vida que você escolheu. Esse é o tipo de corpo que vai ter se seguir esse caminho. Essa é o tipo de merda que vai ter que fazer se continuar com a gente. Você será uma negociante de morte como nós. Tem certeza de que quer isso Rodantha?”

Ela não respondeu ainda.

Continua em “Rodantha – Clamada pelo Abismo

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