A Fortaleza de Vadra é firme, mas não impenetrável. As vezes, um grupo criminoso entra como aventureiros, as vezes bruxos ou ladinos burlam os sistemas de segurança tecnomágicos e as vezes um titã quebra os muros ou atravessa por baixo d’água pelo rio.
O Barão D’Água, um dos maiores predadores semi-aquáticos deste continente, de alguma forma chegou ao centro da Fortaleza de Vadra passando despercebido pelo círculo exterior e mediano. As generais tem um mistério em suas mãos, mas isso era um trabalho para Vira pensar depois pois agora Raza já estava tomando a frente para cortar a perna da besta.
“Rabo a esquerda!”
Raza rolou por cima do ombro e golpeou com sua lâmina na outra perna. A criatura se virou para atacar Raza com a boca ao mesmo tempo que Vira correu.
“Impulso!”
Capitão Abdu se posicionou com o escudo para jogar Vira para cima. Mesmo ferido, seu treinamento o manteve firme e forte para isso.
Vira pulou e graciosamente balançou sua espada atingindo o olho da criatura, caindo e rolando logo em seguida.
O titã mudou seu foco novamente e atacou mordendo Vira, mas Raza entrou na frente posicionando seu braço como se segurasse um escudo e uma barreira de energia verde com linhas brancas surgiu parando os dentes do réptil antes de chegar a carne das duas.
Abdu gritou ordens para os soldados que ordenadamente se posicionaram e atacaram atirando lanças no enorme predador, errando em sua maioria pela grande agilidade da criatura que se impulsionou para frente usando os braços como quatro pernas, então virou-se e rugiu para os soldados humanos, feéricos e sintéticos.
Raza desfez sua barreira, deu um beijinho na bochecha de Vira e correu. Ela pulou, golpeou sua grande espada contra o chão atravessando o mármore e empurrou os braços para pegar impulso e girar no ar com a brutalidade de uma fera e graciosidade de um anjo desferindo um golpe na lateral do animal, o sangrando bastante antes de cair com sua espada no chão novamente.
“Não matem, enfraqueçam ele até podermos conter!”
Ela não percebeu a ironia de dar esta ordem coberta de sangue.
“LOYE!”
Todos gritaram em resposta a ordem da general ruiva, incluindo a general loira. Esta por sua vez observou as reações, respiração e movimentos do animal e decidiu fincar sua espada no chão e estender sua mão reunindo mana.
“Besta selvagem que invadiu esta Fortaleza, será agora contida e devolvida a natureza!”
Ela conjurou correntes mágicas brilhando em luz branca com linhas azuis que aprisionaram o Barão D’Água, o fazendo adormecer ao mesmo tempo. Prontamente os soldados amarraram a criatura e começaram a tratar suas feridas para sobreviver a viajem de volta ao lar.
Alguns estrangeiros ou mesmo pessoas vindos de outros mundos poderiam perguntar “por que fazer isso?” ou “Por que não matar a criatura que invadiu sua cidade?”
A resposta é simples. Vadreanos não são guerreiros assassinos e brutais como zandiocas, servanos e ishikali, eles são defensores, guardiões de seu lar, do seu povo e de suas tradições e invenções. Eles defendem, prosperam e resistem juntos enquanto o resto do mundo luta para conquistar, destruir ou dominar uns aos outros.
“Curandeiros! Fala-fera! Avançar!”
“Loye!”
Os lutadores recuaram em guarda enquanto os conjuradores avançaram para cuidar das feridas do animal e se conectar com a mente dele pra descobrir como chegou ali.
“Generais Faradell, Capitão Abdu. Temos um problema…”
O tenente da tropa de fala-fera, um homem meio-elfo de pele morena e cabelos cacheados vestindo roupas tradicionais verdes com um cajado imitando chifres de gazela, falou após passar a mão em frente a cabeça do Barão D’Água. Os três se entreolharam, então Vira falou.
“Diga tenente.”
“Este animal… As últimas memórias dele… Ele não entrou aqui, de alguma forma foi como se um portal tivesse reaberto.”
“Como?!”
“Por favor, seja mais preciso.”
“Esse animal estava nadando no Rio das Sereias perto de Zand quando de repente apareceu no Rio Igbesi!”
Vira foi rápida em comandar.
“Quero todos os magos disponíveis no Igbesi agora! Procurem por qualquer sinal de utilização de magia!”
“Loye!”
Raza deu ordens também.
“Levaremos o animal de volta para o Rio das Sereias! Um batalhão de templários irá junto para proteger os Fala-fera!”
“Loye!”
Ela se virou para sua esposa.
“Vira, eu vou com eles. Podem precisar da minha ajuda caso encontremos outro titã.”
Vira sorriu estoica e cumprimentou sua companheira segurando o braço.
“Loye general Raza.”
Raza a puxou para um abraço, então ouviu a fria cavaleira dizer seus verdadeiros sentimentos.
“Se cuida amor.”
“Você também. Volto logo.”
Raza se afastou e então seguiu para casa, para se preparar para missão. Vira mandou um reporte para a realeza diretamente do artefato em seu pulso para os pássaros tecnomagicos parados sobre a cidade e logo em seguida um pássaro metálico pousou em seu ombro.
“Muito obrigada por protegerem nosso povo novamente. A missão de transporte de Titã está autorizada para general Raza Faradell, um batalhão de soldados da tropa de expedições e um batalhão de fala-fera. Rainha Layomi IV.”
Vira viu o capitão Abdu se preparando para partir também, então logo o interrompeu.
“Capitão! Descanse. Isso é uma ordem.”
Ele olhou para ela com um rosto frustrado e então se recompôs.
“Loye general.”
Então ele riu, se sentando em um banco público.
“Você já tá sabendo não é?”
“Não há segredos em Vadra capitão. Parabéns.”
“Obrigado. Eu nunca pensei que seria pai tão cedo. Estou ainda mais ansioso para ser um herói, ter uma história pra contar, mas também… Não quero morrer. Então, acho que acabo hesitando e errando como hoje mais cedo. Eu salvei uma civil de ser mordida, mas isso quase me custou a vida.”
Ele apontou para onde os dentes amassaram a ombreira e furaram a barreira mágica chegando na pele.
Vira se sentou ao lado dele de joelhos fechados e coluna ereta. Ela tem movimentos tão rígidos quanto um Fadaka e lida melhor com números e papéis do que pessoas, mas está tentando.
“Abdu, eu não sei bem como te falar isso, mas eu sinto isso de certa forma todo dia. Sempre que estou em combate com Raza, sempre que uma de nós sai em missão sozinha. Eu temo pelo que pode acontecer. Mas, é por isso que tento sempre fazer meu melhor, por mim, por ela e por todos vocês.”
“Eu acho que entendo…”
“Eu não digo para não tentar ser heroico. Eu admiro sua bravura. Digo para…”
“Ser o melhor que eu puder?”
Vira sorriu e deu dois tapinhas no ombro de Abdu imitando o que Raza costuma fazer.
Pouco depois Vira chegou em casa, Raza estava no quarto se trocando, tentando vestir uma armadura completa sozinha. Vira admirou as costas musculares de sua esposa antes de bater na porta e se oferecer para ajudar.
“O que você acha que aconteceu com aquele Barão?”
“Eu não sei ainda. Mas pretendo descobrir.”
“E os magos?”
“Nada ainda. Estamos procurando por uma flor específica em um imenso jardim.”
“Pega meu escudo por favor?”
Vira pegou o escudo de Raza, feito de metal, mas com formato imitando a cabeça de um Três Chifres, com bordas feitas para apoiar lanças ou espadas longas. Raza admirou a mulher magra carregando a enorme peça de metal.
“Acabou que não jantamos.”
“Vou preparar algo para quando você voltar.”
“Obrigada querida!”
Raza deu um beijo na bochecha de Vira, então esta beijou na bochecha também e em seguida na boca.
“Boa sorte lá fora.”
“E boa sorte aqui dentro.”
Dessa vez a despedida foi derradeira. Vira não viria Raza até ela retornar. Se ela retornar…